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segunda-feira, 26 de dezembro de 2011

A influência da mídia no aumento da violência e da criminalidade no Brasil


Por Lélio Lauria

Estudos científicos mostram que o comportamento das pessoas pode sofrer mudanças diante do que é exposto pelos meios de comunicação

 Com a convicção de que o assunto não se esgotou, em função da sua complexidade, conclui-se, com este artigo, a abordagem momentânea sobre a influência da mídia no aumento da violência e da criminalidade no nosso país.
Para atingir os fins da reflexão aqui pretendida, é de se registrar que o motivo desta abordagem transcende o interesse meramente jornalístico. Perscruta as razões que levam a identificar a influência da mídia em publicar notícias impactantes e a reação do público consumidor. Nesse sentido, impõe-se uma consideração preliminar: imagine um jornalista que se vê diante de dois fatos policiais, um positivo, outro negativo, mas que guardam relação entre si, sendo o profissional forçado a optar por um dos dois, diante da falta de espaço para publicação no veículo de comunicação em que trabalha. Qual seria o critério prevalente nessa opção? Depende da linha editorial do veículo? Quais seriam os aspectos e limites éticos que envolvem a questão? A resposta, que deveria ser criteriosa, pode ser constatada na prática jornalística brasileira: prevalece, invariavelmente, a publicação do joio, em prejuízo do trigo.
Evidentemente, essa prática corriqueira traz conseqüências graves ao comportamento humano. Estudos científicos mostram que o comportamento das pessoas pode sofrer mudanças diante do que é exposto pelos meios de comunicação. De acordo com a psicóloga Osimar Beatriz Tura, pessoas podem sofrer aprendizagem negativa a partir do que é exposto pelos meios de comunicação e, até mesmo, sentir-se aliviadas, após assistirem a uma cena violenta, por não estar acontecendo aquilo com elas ou com alguém da família. Esse fascínio por assuntos violentos, conforme a psicóloga, pode ser justificado pela possibilidade de extravasar a violência contida em cada um de nós. Em síntese, não há preocupação com as consequências que a divulgação da violência pode causar às pessoas, muito menos o trauma que pode causar ao desenvolvimento de uma criança. Isso não tem a menor importância. A preocupação é somente com a venda da notícia. Não se pode negar que a amplificação dos fatos é antiga e intrínseca à atividade jornalística, mas deve ser feita de forma responsável, sempre com um objetivo definido de prevenção à violência. E não adianta dizer que esse não é o papel da mídia. É sim, de todos nós, principalmente dos meios de comunicação, que têm o poder de pautar a segurança pública. Ciente de que as estatísticas sobre violência não são confiáveis e, mesmo assim, acaba divulgando esses dados, a mídia contribui para perenizar a distorção sobre esse universo.
Pode-se afirmar que, em certa medida, a abundância de pesquisas sobre o assunto, mostra que a mídia, há algum tempo, abdicou do seu papel de cobrir com critérios os fatos policiais. O mais importante é causar impacto com a notícia. É como se o fato, ao se transformar em notícia, passasse por um processo de “espetacularização”, com o fito de causar o maior impacto possível no público consumidor da notícia. Por outro lado, reconhece-se: não há como se exigir que, na edição da notícia, os veículos de comunicação adotem critérios infalíveis de avaliação do fato a ser noticiado e sua influência no aumento da violência e da criminalidade.
É certo que os jornalistas precisam de capacitação, qualificação, reciclagem, da mesma forma que qualquer outro profissional. Matérias feitas por jornalistas sem qualificação subvertem os valores e princípios e informam mal ao público consumidor da notícia, não sendo este o papel do jornalismo moderno. A desatualização do jornalista leva ao empobrecimento da divulgação dos fatos, especialmente os policiais e, via de conseqüência, à diminuição da profissão. Com efeito, a cobertura policial no Brasil tem sido feita, em muitos casos, por profissionais despreparados e sem a qualificação necessária para realizar esse tipo de reportagem. As editorias de polícia são compostas, quase sempre, por pessoas que estão nesse setor há muitos anos. Se por um lado isso constitui um aspecto positivo, o da experiência, por outro, revela uma das maiores preocupações do jornalismo mundial: a dependência, desse tipo de profissional, das suas fontes marginais, sem o senso crítico devido, levando, em alguns casos, à necessidade de compensação, de alguma forma, dessas informações, com trágicas conseqüências nas versões que são extraídas dos fatos. Daí a importância do Ombudsman nos meios de comunicação. O fato é que o bom jornalismo tem sido atropelado pela busca do furo. Programas sensacionalistas mostram e provam esse conluio na “fabricação da notícia”.
Não nos agrada, nesta abordagem, fazer menção ao assassinato do cinegrafista Gelson Domingos da Silva, da Band do Rio de Janeiro, durante uma operação militar numa favela, onde participava de uma operação da polícia. Mas parece fundamental lembrar do triste episódio para as reflexões que se propõem e, também, mostrar o outro lado cruel dessa tematização. O profissional, supostamente, foi morto por um tiro disparado por um traficante durante confronto com a polícia. O interessante é que o objetivo da ação policial era checar informação da área de inteligência do BOPE. Questão muito discutida é se a polícia precisava levar a imprensa, ou o ideal era que, só depois de checada a informação, houvesse a divulgação. Certamente, isso prejudica a investigação, qualquer amador sabe. O cinegrafista, reconhecidamente, era experiente e cauteloso nesse tipo de ação, mas, lamentavelmente, isso não foi suficiente para salvar a sua vida. As investigações irão mostrar se houve desobediência a protocolos de segurança. Deveria estar atrás dos policiais, mas estava ao lado. Virou alvo fácil dos traficantes. Agora a Polícia Militar do Rio de Janeiro estuda limitar a participação de jornalistas, para ter um critério de segurança mais eficiente. Acho que o critério é um só: afastar o máximo possível essa participação. Cada macaco na sua árvore! Ou será que algum cinegrafista ou jornalista permitiria a um policial interferir na sua filmagem ou matéria? A cobertura da pacificação da favela da Rocinha, com a guerra pelas imagens exclusivas, a busca sempre do melhor ângulo, a divulgação dos diálogos da polícia, com muita gente querendo aparecer nas imagens da televisão, mostram que essa conscientização ainda está longe da realidade.
Entidades que representam os profissionais de imprensa defendem que o papel de estabelecer limites para a cobertura desse tipo de ação cabe aos próprios jornalistas e às empresas, não à polícia. Nesse particular, parece mais prudente a declaração do diretor do International News Safety Institute (INSI) na América Latina, Marcelo Moreira, quando afirma que os repórteres devem cumprir seu papel, desde que recebam treinamento específico e tenham equipamento adequado para garantir sua segurança. Será que a imposição de limites deve ser uma norma do repórter? E quando outros profissionais participam dessas operações, como médicos e advogados, também não estariam submetidos a esses limites impostos pela polícia? Ao que parece, o sistema de segurança está se acovardando na imposição desses limites.
Mas é preciso que se tenha cautela nesse tipo de discussão. Alguns Estados, por exemplo, articulam a criação de um Conselho Estadual de Comunicação, com atribuições de “propor e acompanhar políticas de comunicação”. É, na verdade, uma tentativa de controle da mídia na opinião de representantes de órgãos de imprensa e da OAB. Parece não ser da competência dos Estados regulamentar a área, com clara ameaça à liberdade de imprensa, mesmo que se alegue que a inciativa é para promover a “democratização da comunicação”, sendo importante lembrar que o marco regulatório nesse tipo de matéria é a Constituição Federal (art. 5º, incisos IV, V, IX e XIV, e o art. 220).
Enfim, o mais importante é lutar para que profissionais dessa área possam se especializar cada vez mais nesse tipo de cobertura, com definição da responsabilidade na divulgação das estatísticas criminais, por exemplo, sendo fundamental lembrar, por outro lado, que a mídia, com todos os seus defeitos, tem sido um instrumento valioso do controle da atividade policial.

Fonte: acritica.uol.com.b

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