Por Lélio Lauria
Estudos científicos mostram que o comportamento das pessoas pode
sofrer mudanças diante do que é exposto pelos meios de comunicação
Com a convicção de que o assunto não se
esgotou, em função da sua complexidade, conclui-se, com este artigo, a
abordagem momentânea sobre a influência da mídia no aumento da violência
e da criminalidade no nosso país.
Para
atingir os fins da reflexão aqui pretendida, é de se registrar que o
motivo desta abordagem transcende o interesse meramente jornalístico.
Perscruta as razões que levam a identificar a influência da mídia em
publicar notícias impactantes e a reação do público consumidor. Nesse
sentido, impõe-se uma consideração preliminar: imagine um jornalista que
se vê diante de dois fatos policiais, um positivo, outro negativo, mas
que guardam relação entre si, sendo o profissional forçado a optar por
um dos dois, diante da falta de espaço para publicação no veículo de
comunicação em que trabalha. Qual seria o critério prevalente nessa
opção? Depende da linha editorial do veículo? Quais seriam os aspectos e
limites éticos que envolvem a questão? A resposta, que deveria ser
criteriosa, pode ser constatada na prática jornalística brasileira:
prevalece, invariavelmente, a publicação do joio, em prejuízo do trigo.
Evidentemente,
essa prática corriqueira traz conseqüências graves ao comportamento
humano. Estudos científicos mostram que o comportamento das pessoas pode
sofrer mudanças diante do que é exposto pelos meios de comunicação. De
acordo com a psicóloga Osimar Beatriz Tura, pessoas podem sofrer
aprendizagem negativa a partir do que é exposto pelos meios de
comunicação e, até mesmo, sentir-se aliviadas, após assistirem a uma
cena violenta, por não estar acontecendo aquilo com elas ou com alguém
da família. Esse fascínio por assuntos violentos, conforme a psicóloga,
pode ser justificado pela possibilidade de extravasar a violência
contida em cada um de nós. Em síntese, não há preocupação com as
consequências que a divulgação da violência pode causar às pessoas,
muito menos o trauma que pode causar ao desenvolvimento de uma criança.
Isso não tem a menor importância. A preocupação é somente com a venda da
notícia. Não se pode negar que a amplificação dos fatos é antiga e
intrínseca à atividade jornalística, mas deve ser feita de forma
responsável, sempre com um objetivo definido de prevenção à violência. E
não adianta dizer que esse não é o papel da mídia. É sim, de todos nós,
principalmente dos meios de comunicação, que têm o poder de pautar a
segurança pública. Ciente de que as estatísticas sobre violência não são
confiáveis e, mesmo assim, acaba divulgando esses dados, a mídia
contribui para perenizar a distorção sobre esse universo.
Pode-se
afirmar que, em certa medida, a abundância de pesquisas sobre o
assunto, mostra que a mídia, há algum tempo, abdicou do seu papel de
cobrir com critérios os fatos policiais. O mais importante é causar
impacto com a notícia. É como se o fato, ao se transformar em notícia,
passasse por um processo de “espetacularização”, com o fito de causar o
maior impacto possível no público consumidor da notícia. Por outro lado,
reconhece-se: não há como se exigir que, na edição da notícia, os
veículos de comunicação adotem critérios infalíveis de avaliação do fato
a ser noticiado e sua influência no aumento da violência e da
criminalidade.
É certo que os
jornalistas precisam de capacitação, qualificação, reciclagem, da mesma
forma que qualquer outro profissional. Matérias feitas por jornalistas
sem qualificação subvertem os valores e princípios e informam mal ao
público consumidor da notícia, não sendo este o papel do jornalismo
moderno. A desatualização do jornalista leva ao empobrecimento da
divulgação dos fatos, especialmente os policiais e, via de conseqüência,
à diminuição da profissão. Com efeito, a cobertura policial no Brasil
tem sido feita, em muitos casos, por profissionais despreparados e sem a
qualificação necessária para realizar esse tipo de reportagem. As
editorias de polícia são compostas, quase sempre, por pessoas que estão
nesse setor há muitos anos. Se por um lado isso constitui um aspecto
positivo, o da experiência, por outro, revela uma das maiores
preocupações do jornalismo mundial: a dependência, desse tipo de
profissional, das suas fontes marginais, sem o senso crítico devido,
levando, em alguns casos, à necessidade de compensação, de alguma forma,
dessas informações, com trágicas conseqüências nas versões que são
extraídas dos fatos. Daí a importância do Ombudsman nos meios de
comunicação. O fato é que o bom jornalismo tem sido atropelado pela
busca do furo. Programas sensacionalistas mostram e provam esse conluio
na “fabricação da notícia”.
Não nos
agrada, nesta abordagem, fazer menção ao assassinato do cinegrafista
Gelson Domingos da Silva, da Band do Rio de Janeiro, durante uma
operação militar numa favela, onde participava de uma operação da
polícia. Mas parece fundamental lembrar do triste episódio para as
reflexões que se propõem e, também, mostrar o outro lado cruel dessa
tematização. O profissional, supostamente, foi morto por um tiro
disparado por um traficante durante confronto com a polícia. O
interessante é que o objetivo da ação policial era checar informação da
área de inteligência do BOPE. Questão muito discutida é se a polícia
precisava levar a imprensa, ou o ideal era que, só depois de checada a
informação, houvesse a divulgação. Certamente, isso prejudica a
investigação, qualquer amador sabe. O cinegrafista, reconhecidamente,
era experiente e cauteloso nesse tipo de ação, mas, lamentavelmente,
isso não foi suficiente para salvar a sua vida. As investigações irão
mostrar se houve desobediência a protocolos de segurança. Deveria estar
atrás dos policiais, mas estava ao lado. Virou alvo fácil dos
traficantes. Agora a Polícia Militar do Rio de Janeiro estuda limitar a
participação de jornalistas, para ter um critério de segurança mais
eficiente. Acho que o critério é um só: afastar o máximo possível essa
participação. Cada macaco na sua árvore! Ou será que algum cinegrafista
ou jornalista permitiria a um policial interferir na sua filmagem ou
matéria? A cobertura da pacificação da favela da Rocinha, com a guerra
pelas imagens exclusivas, a busca sempre do melhor ângulo, a divulgação
dos diálogos da polícia, com muita gente querendo aparecer nas imagens
da televisão, mostram que essa conscientização ainda está longe da
realidade.
Entidades que representam
os profissionais de imprensa defendem que o papel de estabelecer limites
para a cobertura desse tipo de ação cabe aos próprios jornalistas e às
empresas, não à polícia. Nesse particular, parece mais prudente a
declaração do diretor do International News Safety Institute (INSI) na
América Latina, Marcelo Moreira, quando afirma que os repórteres devem
cumprir seu papel, desde que recebam treinamento específico e tenham
equipamento adequado para garantir sua segurança. Será que a imposição
de limites deve ser uma norma do repórter? E quando outros profissionais
participam dessas operações, como médicos e advogados, também não
estariam submetidos a esses limites impostos pela polícia? Ao que
parece, o sistema de segurança está se acovardando na imposição desses
limites.
Mas é preciso que se tenha
cautela nesse tipo de discussão. Alguns Estados, por exemplo, articulam a
criação de um Conselho Estadual de Comunicação, com atribuições de
“propor e acompanhar políticas de comunicação”. É, na verdade, uma
tentativa de controle da mídia na opinião de representantes de órgãos de
imprensa e da OAB. Parece não ser da competência dos Estados
regulamentar a área, com clara ameaça à liberdade de imprensa, mesmo que
se alegue que a inciativa é para promover a “democratização da
comunicação”, sendo importante lembrar que o marco regulatório nesse
tipo de matéria é a Constituição Federal (art. 5º, incisos IV, V, IX e
XIV, e o art. 220).
Enfim, o mais
importante é lutar para que profissionais dessa área possam se
especializar cada vez mais nesse tipo de cobertura, com definição da
responsabilidade na divulgação das estatísticas criminais, por exemplo,
sendo fundamental lembrar, por outro lado, que a mídia, com todos os
seus defeitos, tem sido um instrumento valioso do controle da atividade
policial.
Fonte: acritica.uol.com.b