Excelente artigo da colunista da revista Época Ruth de Aquino. É para ler e refletir.
Há carência de recursos em escolas e prisões. O absurdo é a negligência do Brasil com o conhecimento
Alguns números falam mais do que mil palavras. No Brasil, um preso
federal custa o triplo de um aluno do ensino superior. E um preso
estadual demanda quase nove vezes o custo de um estudante do ensino
médio. A princípio, o que uma coisa tem a ver com a outra? Tudo. Há
carência de recursos tanto em escolas quanto em prisões. Mas o absurdo
maior é a negligência do Brasil com o saber, com o conhecimento.
Quando essa equação vai fechar? Vamos gastar muito mais com os
presidiários se quisermos tornar as cadeias brasileiras menos
degradantes. O ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, prometeu que
“agora vai”. Não sei se você, assim como eu, sente vergonha ao ver as
cenas de mãos saindo pelas grades. São seres humanos empilhados,
espremidos e seminus. É um circo dos horrores. E piora nos rincões
remotos do Norte e Nordeste, longe das câmeras. Mesmo assim, o Estado
gasta mais de R$ 40 mil por ano com cada preso em presídio federal. E R$
21 mil com cada preso em presídio estadual.
Esses valores, absolutos, não significam nada para nós. Mas, se dermos
uma olhada no nível de instrução dos 417.112 presos, ficará claro como
os dois mundos, o das escolas e o das prisões, estão intimamente
ligados. Dos nossos detentos, mais da metade (254.177) é analfabeta ou
não completou o ensino fundamental. O menor grupo é o que concluiu a
faculdade: 1.715 presos. Esses números estão no relatório do
Departamento Penitenciário Nacional (Depen) do ano passado. Os presídios
são um retrato de nossa sociedade. Do lado de fora, poucos têm acesso a
universidades. E criminosos ricos e influentes podem pagar bons
advogados.
Poderíamos ficar resignados a nosso destino de país pobre em
desenvolvimento humano. Poderíamos também construir macropresídios
seguros para prender cada vez mais gente em cômodos amplos, com direito a
boa alimentação, pátios, esportes e reeducação. Poderíamos melhorar a
gestão penitenciária e reduzir a roubalheira. Em algumas cidades, os
presos começam a ser soltos por falta de espaço.
O mais complicado de tudo, mesmo, é prevenir a criminalidade. Porque
seria preciso investir forte na educação universal e de qualidade. Os
últimos números do IBGE, do Censo 2010, deixam clara uma urgência: entre
nossas crianças com 10 anos de idade, 6,52% são analfabetas. Você, que
lê este artigo, quando se alfabetizou? Provavelmente entre os 5 e 7 anos
de idade, como acontece nas maiores economias do mundo – aquele grupo
privilegiado em que o Brasil se insere com orgulho.
Essa criançada brasileira que não sabe escrever nem seu nome não faz
ideia de que está trancada na prisão da ignorância. Sem cometer crime
algum, as crianças foram condenadas à marginalidade perpétua. Isso não
significa que serão desonestas ou hóspedes dos presídios-modelos que o
ministro da Justiça promete construir. Mas que chance o Estado dá a
elas? Esse porcentual de 6,52% nada tem a ver com heranças malditas. São
crianças que nasceram na década de Lula.
Por mais que se comemorem avanços na Educação, em uma década o total de
analfabetos no Brasil caiu menos de 1 milhão. Eram quase 15 milhões e
hoje são 14 milhões que não sabem ler ou escrever – esse total equivale a
duas vezes a população inteira do Paraguai. Em dez anos de investimento
e dois mandatos de governo do “tudo pelo social”? Não dá para festejar.
Entre os brasileiros com mais de 15 anos, continuamos mais analfabetos
que Zimbábue, Panamá e Guiné Equatorial.
As disparidades regionais são outra preocupação. Em analfabetismo,
segundo o Censo 2010, o Maranhão do clã Sarney está em 24º lugar e só
perde para Paraíba, Piauí e Alagoas. Há 19,31% de analfabetos no
Maranhão, porcentual maior que na República do Congo, na África. No
programa do PMDB em rede nacional de televisão, na quinta-feira passada,
o presidente “vitalício” do Senado, José Sarney, afirmou: “O bom homem
público olha e vive para seu país”. Eu já ficaria satisfeita se o homem
incomum, blindado por Lula e aliado de Dilma, olhasse para o Estado onde
nasceu.
Em mortalidade infantil, o Maranhão da governadora Roseana Sarney só
perde para Alagoas. De cada 1.000 maranhenses que nascem, 36 bebês
morrem antes de completar o primeiro ano de vida. Não sei como a
dinastia que controla esse Estado há 45 anos consegue dormir em paz. No
programa do PMDB, Roseana disse que uma mulher no poder “significa uma
visão mais humana de governar”.
A esperança é que o Brasil amadureça e passe a investir logo em suas
crianças e seus estudantes para um dia, talvez, reduzir a superlotação
dos presídios. Não é uma fórmula infalível, mas parece ser uma aposta
sensata.
Fonte: revistaepoca.globo.com
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