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domingo, 2 de dezembro de 2012

As ideias ocidentais sobre a Amazônia


Aventureiros se arriscaram em terras inóspitas, em penosas viagens a cabeceiras de rios e a contatos com povos desconhecidos para refletir sobre a região

A Amazônia, antes mesmo de ser conhecida por este nome, sempre foi pródiga em atrair viajantes estrangeiros - seja na condição de cronistas de expedições, estudiosos, cientistas ou meros curiosos - na tentativa de conhecer sua natureza ambiental e humana.
Gravura que retrata embarcação usada por viajantes da expedição "Viagem Filosófica", comandada por Alexandre Rodrigues Ferreira
Gravura que retrata embarcação usada por viajantes da expedição "Viagem Filosófica", comandada por Alexandre Rodrigues Ferreira (Reprodução)
Essa espécie de “aventura do conhecimento” sobre a região ajudou a sustentar uma concepção, que até hoje se pereniza. Concepção essa que, apesar de ser considerada defasada em muitos aspectos, é continuamente atualizada para servir de base para novas categorias classificatórias da “ideia de Amazônia”.
O tema Amazônia, hoje tão corrente na sociedade, na mídia e nos debates acadêmicos, não é novo. Pelo contrário, é um dos assuntos mais antigos, desde a chegada do europeu no chamado Novo Mundo. O sociólogo Renan Freitas Pinto diz em seu livro “Viagem das Idéias” (Editor Valer), que “a Amazônia se tornou um tema universal desde muito cedo e povoa o imaginário do mundo inteiro graças, sobretudo, à revelação que dela fizeram seus exploradores, seus viajantes, cronistas e cientistas de diferentes épocas”.
Conforme Renan Freitas Pinto, são “idéias que têm estado presente na maior parte dos intentos para explicar e decifrar a condição cultural do Novo Mundo e da Amazônia. E que podem ser reproduzidas em novas designações classificatórias. Encaixando segmentos locais nas em nomenclaturas novas, como desenvolvimento sustentável, populações ribeirinhas, povos da floresta, etc”.
No decorrer de quatro séculos, a concepção dada a Amazônia foi forjada a toques de exotismo, estereótipos e um olhar preconceituoso baseados na hierarquia racial do homem branco e europeu. A metodologia desses estudiosos era baseada no que havia de mais moderno naquele período. A concepção científica predominante era fundamentada na doutrina naturalista, tendo como herança o Iluminismo, já então no auge no pensamento ocidental.
Naturalismo
Uma das teorias de maior expressividade foi a filosofia naturalista de Lineu e Buffon, este considerado o grande inspirador das metodologias posteriores de investigação científica sobre a Amazônia. Entre os mais notórios seguidores de sua ferramenta metodológica está Alexandre Rodrigues Ferreira, autor de “Viagem Filosófica”, resultado da expedição que marcou história realizada no século 18.
Foi nos confins de um Brasil colonial, que aventureiros se arriscaram em terras inóspitas, em penosas viagens a cabeceiras de rios e a contatos com povos desconhecidos para refletir sobre a região. Muitos deles, antes de chegar por aqui, se armaram com leituras de relatos de naturalistas e de estudos científicos de viajantes.
Alguns não precisaram colocar os pés no Novo Mundo. Bastaram os relatos para que estes servissem de base para os estudos e constatações de que aqui havia sim um mundo novo, mas totalmente desprovido de valores de civilização, de desenvolvimento e de evolução natural de seus potenciais.
Alguns desses viajantes queriam apenas fazer inventários para estudar o Novo Mundo; outros, com a boa vontade da época, apostavam na inexorável chegada do desenvolvimento e da civilização como contribuição para a evolução da região. Para todos, porém, estas terras tropicais eram uma terra inculta, sem valores morais e religiosos, empobrecida pelo clima avesso que lhe tornava atrasada em relação ao ocidente.
A ênfase dada era para a inferioridade racial em relação europeu, para meio físico e ao clima desfavorável. Um dos mais notórios representantes deste  pensamento (mesmo sem nunca ter estado por aqui) foi Buffon.
Buffon foi um pensador que teve suas ideias largamente aceitas sobre o Novo Mundo e desempenhou um papel destacado na construção da identidade européia e de concepções cientificas que foram centrais na formação do pensamento cientifico moderno.
Filosofia
As lacunas sobre tudo que se pensou e estudou a respeito do Novo Mundo e em especial sobre a Amazônia são intermináveis. Sabemos que a leitura não apenas era incoerente, mas negativa e perigosa. A exceção era rara para o pensamento da época. E em muitos casos, estas tentativas de navegar contra foram soterradas pela concepção que acabou predominando.
Um dos exemplos mais famosos foi o de Montaigne. Seu olhar para um mundo espoliado e considerado atrasado beirou à generosidade, numa época em que o que se sobressaia o parâmetro eurocêntrico do pensamento.
Em seu “Sobre os Canibais” de seu “Ensaios”, Montaigne criticou o que ninguém mais fez: a construção fantasiosa dos povos indígenas, sobretudo a que ficou marcada na mentalidade européia, a de que todos eram canibais. O filósofo pretendeu mostrar que o europeu, além de desconhecer as condições em que vivem os povos, não conseguiu enxergar além de seus preconceitos. Ele destacou os valores culturais dos povos, especialmente os rituais bélicos e fez um curioso comentário sobre a barbárie praticada na Europa.
Mas o que os textos da maioria dos viajantes e/ou cronistas perdem em coerência, ganham em riqueza de detalhes. Em informações que, sem estes cronistas, não chegariam até nós para servir de base para um dado aspecto da historiografia – já que a outra versão acabou-se diluindo no tempo e no espaço, com o fim de muitas civilizações nativas.
Ecologia
Em meio a tantos olhares sobre a Amazônia, alguns antecipam a discussão ecológica da região, como o fez Arthur Reis em “A Cobiça da Amazônia” e outros propõem projetos de urbanismos incomuns para a sua época, como o que realizou João Daniel em seus escritos na prisão. João Daniel via a Amazônia como uma das regiões mais ricas do mundo do ponto de vista de seus recursos naturais, comparando-o com as singularidades de outras partes do mundo.
Alguns optaram por estudá-la minuciosamente, como aconteceu com a viagem filosófica de Alexandre Rodrigues Ferreira, o seguidor mais famoso de Buffon, e outros a propor mudanças administrativas como aconteceu com as sugestões de Euclides da Cunha.
Foi, conforme Renan, a partir de Euclides da Cunha que se “inaugura um novo modo de perceber a história social do povo brasileiro”. Na Amazônia, Euclides tentou compreender a Amazônia a partir de sua “face rústica, primitiva e atrasada”, para identificar as causas das desigualdades regionais.
Retirada a concepção eurocêntrica que predomina na época do Iluminismo e, do ponto de vista da atualidade, preconceituoso, havia um interesse antropológico que até pouquíssimo tempo atrás não era encontrado nos debates científicos. A partir desta concepção, forjou-se uma nova interpretação, não obstante seu olhar eminentemente estereotipado, que foi, felizmente, sendo reconstruído ao longo dos tempos. Até em ciência foi transformado.

* Versão reduzida de texto originalmente produzido para disciplina da Especialização em Etnodesenvolvimento pelo Departamento de Pós-Graduação em Antropologia da Universidade Federal do Amazonas (2007)

Fonte: acritica.uol.com.br

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