Aventureiros se arriscaram em terras inóspitas, em penosas viagens a
  cabeceiras de rios e a contatos com povos desconhecidos para refletir 
 sobre a região
A
 Amazônia, antes mesmo de ser conhecida por este nome, sempre foi 
pródiga em atrair viajantes estrangeiros - seja na condição de cronistas
 de expedições, estudiosos, cientistas ou meros curiosos - na tentativa 
de conhecer sua natureza ambiental e humana.
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Gravura que retrata embarcação usada por viajantes da expedição 
"Viagem Filosófica", comandada por Alexandre Rodrigues Ferreira
    
    
    
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 Essa espécie de “aventura do conhecimento” sobre a região ajudou a 
sustentar uma concepção, que até hoje se pereniza. Concepção essa que, 
apesar de ser considerada defasada em muitos aspectos, é continuamente 
atualizada para servir de base para novas categorias classificatórias da
 “ideia de Amazônia”.
O
 tema Amazônia, hoje tão corrente na sociedade, na mídia e nos debates 
acadêmicos, não é novo. Pelo contrário, é um dos assuntos mais antigos, 
desde a chegada do europeu no chamado Novo Mundo. O sociólogo Renan 
Freitas Pinto diz em seu livro “Viagem das Idéias” (Editor Valer), que 
“a Amazônia se tornou um tema universal desde muito cedo e povoa o 
imaginário do mundo inteiro graças, sobretudo, à revelação que dela 
fizeram seus exploradores, seus viajantes, cronistas e cientistas de 
diferentes épocas”.
Conforme
 Renan Freitas Pinto, são “idéias que têm estado presente na maior parte
 dos intentos para explicar e decifrar a condição cultural do Novo Mundo
 e da Amazônia. E que podem ser reproduzidas em novas designações 
classificatórias. Encaixando segmentos locais nas em nomenclaturas 
novas, como desenvolvimento sustentável, populações ribeirinhas, povos 
da floresta, etc”.
No
 decorrer de quatro séculos, a concepção dada a Amazônia foi forjada a 
toques de exotismo, estereótipos e um olhar preconceituoso baseados na 
hierarquia racial do homem branco e europeu. A metodologia desses 
estudiosos era baseada no que havia de mais moderno naquele período. A 
concepção científica predominante era fundamentada na doutrina 
naturalista, tendo como herança o Iluminismo, já então no auge no 
pensamento ocidental.
Naturalismo
Uma
 das teorias de maior expressividade foi a filosofia naturalista de 
Lineu e Buffon, este considerado o grande inspirador das metodologias 
posteriores de investigação científica sobre a Amazônia. Entre os mais 
notórios seguidores de sua ferramenta metodológica está Alexandre 
Rodrigues Ferreira, autor de “Viagem Filosófica”, resultado da expedição
 que marcou história realizada no século 18.
Foi
 nos confins de um Brasil colonial, que aventureiros se arriscaram em 
terras inóspitas, em penosas viagens a cabeceiras de rios e a contatos 
com povos desconhecidos para refletir sobre a região. Muitos deles, 
antes de chegar por aqui, se armaram com leituras de relatos de 
naturalistas e de estudos científicos de viajantes.
Alguns
 não precisaram colocar os pés no Novo Mundo. Bastaram os relatos para 
que estes servissem de base para os estudos e constatações de que aqui 
havia sim um mundo novo, mas totalmente desprovido de valores de 
civilização, de desenvolvimento e de evolução natural de seus 
potenciais.
Alguns
 desses viajantes queriam apenas fazer inventários para estudar o Novo 
Mundo; outros, com a boa vontade da época, apostavam na inexorável 
chegada do desenvolvimento e da civilização como contribuição para a 
evolução da região. Para todos, porém, estas terras tropicais eram uma 
terra inculta, sem valores morais e religiosos, empobrecida pelo clima 
avesso que lhe tornava atrasada em relação ao ocidente. 
A
 ênfase dada era para a inferioridade racial em relação europeu, para 
meio físico e ao clima desfavorável. Um dos mais notórios representantes
 deste  pensamento (mesmo sem nunca ter estado por aqui) foi Buffon.
Buffon
 foi um pensador que teve suas ideias largamente aceitas sobre o Novo 
Mundo e desempenhou um papel destacado na construção da identidade 
européia e de concepções cientificas que foram centrais na formação do 
pensamento cientifico moderno.
Filosofia
As
 lacunas sobre tudo que se pensou e estudou a respeito do Novo Mundo e 
em especial sobre a Amazônia são intermináveis. Sabemos que a leitura 
não apenas era incoerente, mas negativa e perigosa. A exceção era rara 
para o pensamento da época. E em muitos casos, estas tentativas de 
navegar contra foram soterradas pela concepção que acabou predominando.
Um
 dos exemplos mais famosos foi o de Montaigne. Seu olhar para um mundo 
espoliado e considerado atrasado beirou à generosidade, numa época em 
que o que se sobressaia o parâmetro eurocêntrico do pensamento.
Em
 seu “Sobre os Canibais” de seu “Ensaios”, Montaigne criticou o que 
ninguém mais fez: a construção fantasiosa dos povos indígenas, sobretudo
 a que ficou marcada na mentalidade européia, a de que todos eram 
canibais. O filósofo pretendeu mostrar que o europeu, além de 
desconhecer as condições em que vivem os povos, não conseguiu enxergar 
além de seus preconceitos. Ele destacou os valores culturais dos povos, 
especialmente os rituais bélicos e fez um curioso comentário sobre a 
barbárie praticada na Europa.
Mas
 o que os textos da maioria dos viajantes e/ou cronistas perdem em 
coerência, ganham em riqueza de detalhes. Em informações que, sem estes 
cronistas, não chegariam até nós para servir de base para um dado 
aspecto da historiografia – já que a outra versão acabou-se diluindo no 
tempo e no espaço, com o fim de muitas civilizações nativas.
Ecologia
Em
 meio a tantos olhares sobre a Amazônia, alguns antecipam a discussão 
ecológica da região, como o fez Arthur Reis em “A Cobiça da Amazônia” e 
outros propõem projetos de urbanismos incomuns para a sua época, como o 
que realizou João Daniel em seus escritos na prisão. João Daniel via a 
Amazônia como uma das regiões mais ricas do mundo do ponto de vista de 
seus recursos naturais, comparando-o com as singularidades de outras 
partes do mundo.
Alguns
 optaram por estudá-la minuciosamente, como aconteceu com a viagem 
filosófica de Alexandre Rodrigues Ferreira, o seguidor mais famoso de 
Buffon, e outros a propor mudanças administrativas como aconteceu com as
 sugestões de Euclides da Cunha.
Foi,
 conforme Renan, a partir de Euclides da Cunha que se “inaugura um novo 
modo de perceber a história social do povo brasileiro”. Na Amazônia, 
Euclides tentou compreender a Amazônia a partir de sua “face rústica, 
primitiva e atrasada”, para identificar as causas das desigualdades 
regionais.
Retirada
 a concepção eurocêntrica que predomina na época do Iluminismo e, do 
ponto de vista da atualidade, preconceituoso, havia um interesse 
antropológico que até pouquíssimo tempo atrás não era encontrado nos 
debates científicos. A partir desta concepção, forjou-se uma nova 
interpretação, não obstante seu olhar eminentemente estereotipado, que 
foi, felizmente, sendo reconstruído ao longo dos tempos. Até em ciência 
foi transformado.
Fonte: acritica.uol.com.br
 
 
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