Os inúmeros casos de assédio moral denunciados pelos servidores
públicos do Estado diariamente na Comissão de Direitos Humanos da
Assembleia Legislativa, levaram o deputado Edinho Duarte (PP) e a
presidente da CDH, deputada Marilia Góes (PDT) a abrir pela primeira vez
a discussão do tema em uma audiência pública realizada esta semana. O
resultado das discussões deve nortear a finalização de uma proposta de
lei, de Duarte, que pune severamente o crime no Estado
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Audiência pública / muitos servidores com medo não foram expor seus
casos. Mas o assédio atinge delegados de polícia, procuradores do
Estado, médicos, professores e funcionários de diversas categorias Foto: Erich Macias/AGazeta |
Trabalhadores
depressivos, angustiados, com crise de competência, irritação, insônia,
redução da libido, uso de álcool, drogas e até suicídio, são algumas
consequências do assédio moral. No Amapá ainda não chegou a públicon
suicídios por conta dessa prática, mas estudos recentes sobre o tema já
revelam casos como esse.
Não se descarta que o suicídio da professora
da Universidade de São Paulo (USP), Maria da Glória do Nascimento,
tenha relação com o assédio moral do qual foi vítima por anos na
instituição até ser afastada de suas funções. A tragédia ocorreu em
julho de 2011 quando a educadora se jogou do 7º andar do prédio onde
morava logo depois de sair da Universidade.
O assunto foi tema de
audiência pública na última quinta-feira (16) no plenário da Assembleia e
Legislativa do Amapá (AL-AP) proposta pelo deputado estadual Edinho
Duarte (PP). O objetivo foi ouvir depoimentos de agentes públicos que
sofrem ou já sofreram assédio moral e conscientizar os trabalhadores a
denunciar a prática.
A ideia do parlamentar é finalizar o projeto de
lei nº 0218/11-AL de sua autoria com base nos relatos proferidos durante
a audiência. O projeto de lei dispõe sobre a prevenção e a punição do
assédio moral na administração pública do Estado do Amapá.
Convidado
para dar seu parecer sobre o assédio moral, o procurador do Estado,
Plínio Baima, sugeriu a Edinho Duarte que inclua no seu projeto de lei,
os casos em que os administradores públicos exigem excelência de seus
subordinados sem dotá-los de estrutura adequada para realizar o que lhes
foi delegado. “Isso também é uma espécie de assédio moral”, disse
Baima.
O deputado também aproveitou os inúmeros casos que são
denunciados diariamente na Comissão de Direitos Humanos da AL-AP,
presidida pela deputada Marilia Góes (PDT). “Muitos dos que foram
convidados para esta audiência para dar o seu depoimento, não vieram por
medo. São servidores da Fundação da Criança e do Adolescente, delegados
de polícia, procuradores do Estado, médicos, professores e funcionários
de várias outras áreas que estão sendo assediados moralmente - mesmo
atuando com competência no seu local de trabalho - única e
exclusivamente, por não concordarem com atos do Governo ou por não
fazerem parte da gestão do PSB”, disse a parlamentar. “Temos a
consciência de que erradicar o assédio moral é muito difícil, mas
podemos minimizar o que isso acarreta na vida do cidadão”.
Oiapoque a nova Sibéria
Mesmo
com a abertura do debate no Amapá, as vítimas do problema ainda são
arredias para falar publicamente sobre o assunto - como já mencionado
pela Comissão de Direitos Humanos - por medo de represália dos
assediadores. A imprensa corriqueiramente também recebe denúncias de
assédio moral desde que seja preservado o sigilo das fontes.
Dos
agentes públicos convidados para dar o seu depoimento no plenário da
AL-AP, apenas o delegado de polícia, Ericláudio Alencar, tomou coragem
para contar o que aconteceu com ele no seu ambiente de trabalho.
O
delegado conta que chegou a ser afastado por 10 dias de suas funções sem
motivos plausíveis. “Porque eu sou o teu superior hierárquico então eu
quero”, reproduziu Alencar sobre a justificativa da suspensão.
Antes
disso, lembra o delegado, um processo administrativo foi aberto contra
ele apontando uma série de faltas que teria cometido. “Respondi cada
ponto e a comissão de processo administrativo, à unanimidade, opinou
pela minha absolvição mandando arquivar o processo”, diz ele.
Ericláudio Alencar depreende que os dois episódios teriam partido na
mudança de gestão em 2011, assim que Camilo Capiberibe (PSB) assumiu o
Governo do Estado. “Eu tinha um cargo de confiança na gestão passada. É
única explicação que se apresenta para determinarem a minha
transferência, de uma hora para outra, para o município de Oiapoque. E
justificaram tal medida dizendo ser o que a nova administração queria”,
conta.
“Argumentei que, hierarquicamente estou na frente de 52
delegados. E disse que o dia que mandassem os 52 primeiros para o
interior, na falta de algum deles eu poderia ir sem problema nenhum”,
diz Alencar acrescentando que a sua ida para o extremo sul do Amapá não
se concretizou, tendo como desdobramento da sua resistência, a suspensão
e o processo administrativo que sofreu.
Diante das três situações
porque passou - chegando a parar no hospital afetando a sua saúde física
e mental -, o delegado define o assédio moral como “uma ameaça
invisível, porém real no ambiente de trabalho. Aquilo que nos tira a
paz”.
Projetos de lei: mais de 80 tramitam no Brasil todo punindo o assédioA
professora e secretária adjunta da Secretaria da Mulher do Sindicato
dos Servidores Públicos Federais Civis no Amapá (Sindsep-AP), Maria
Silvana Mendes Duarte, foi convidada para falar como o problema é
trabalhado dentro dos sindicatos. Antes de seguir com as orientações, a
educadora alertou sobre estudos da Organização Internacional do Trabalho
(OIT), Organização Mundial de Saúde (OMS) e Confederação Nacional dos
Trabalhadores em Educação (CNTE) apontando que daqui a duas décadas, o
assédio moral vai se transformar numa condição de saúde muito
desfavorável ao trabalhador.
Maria Silvana conta que é comum, pessoas
que denunciam assédio moral estarem altamente depressivas, angustiadas,
mal estar físico e mental, cansaço exagerado, falta de interesse pelo
trabalho, insônia, irritação, aumento de peso ou emagrecimento
exagerado, aumento da pressão arterial, redução da libido, uso de álcool
ou drogas, com crise de choro, crise de competência. “Será que é por
minha culpa? É porque eu não desenvolvo o meu trabalho direito”,
reproduz a sindicalista sobre o relato dos denunciantes.
A professora
lembra que o problema passou a ser denunciado, principalmente a partir
de 2000 quando diversas entidades começaram a divulgar levantamentos
sobre o assunto. Com isso, parlamentares de vários estados passaram a
demonstrar preocupação com o tema e criaram leis que hoje, muitos juízes
do trabalho se baseiam para julgar causas de vítimas de assédio moral.
Estados
como o Rio Grande do Sul, São Paulo e Rio de Janeiro já tem legislação
própria sobre o assunto. E mais de 80 projetos de lei tramitam em
diversos municípios brasileiros. Também está em vigor desde 2009, a Lei
nº 11.948 que veda empréstimos do Banco Nacional de Desenvolvimento
Econômico e Social (BNDES) a empresas que tenham prática de assédio
moral.
Como se prevenir do assédio moral
A
sindicalista orientou as vítimas a guardar tudo o que possa ser
utilizado como prova de que esteja sofrendo assédio moral. “Assinatura
de advertência, bilhetes, mensagens, e-mail, e demais ferramentas que
comprovem essa prática devem ser guardadas. Porque é você quem tem que
provar que foi assediado moralmente”, recomenda.
Os casos de assédio
moral no ambiente de trabalho também podem ser reportados às
instituições estaduais vinculadas ao Ministério da Saúde. No Amapá, o
órgão responsável é o Centro de Referência em Saúde do Trabalhador
(Cereste). Também podem ser procurados o Ministério do Trabalho, através
da Delegacia Regional do Trabalho (DRT) e os próprios sindicatos que
dispõem de assessoria jurídica para defender o servidor.
“É difícil,
mas não é impossível. Existem várias decisões judiciais favoráveis
graças à atuação de advogados particulares ou de entidades
representativas das classes de trabalhadores. É preciso tentar todos os
caminhos”, diz a sindicalista.
Participaram da audiência pública
estudantes estagiários do Centro Integrado Empresa-Escola (CIEE) que
tiveram a oportunidade de conhecer o que é o assédio moral e como se
prevenir de possíveis práticas que possam ser vítimas futuramente.
Constituem modalidades de assédio moral de acordo com o projeto de lei nº 0218/11-AL:
I. Desqualificar, reiteradamente, por meio de palavras, gestos
ou atitudes, a autoestima, a segurança ou a imagem de agente público,
valendo-se de posição hierárquica ou funcional superior, equivalente ou
inferior;
II. Desrespeitar limitação individual de agentes públicos,
decorrente de doença física ou psíquica, atribuindo-lhe atividade
incompatível com suas necessidades especiais;
III. Preterir o agente público, em quaisquer escolhas, em
função de raça, sexo, nacionalidade, cor, idade, religião, posição
social, preferência ou orientação política, sexual ou filosófica;
IV. Atribuir, de modo frequente, ao agente público, função
incompatível com sua formação acadêmica ou técnica especializada ou que
dependa de treinamento;
V. Isolar ou incentivar o isolamento de agente público,
privando-o de informações, treinamentos necessários ao desenvolvimento
de suas funções ou do convívio com seus colegas;
VI. Manifestar-se jocosamente em detrimento da imagem de agente
público, submetendo-o a situação vexatória, ou fomentar boatos
inidôneos e comentários maliciosos;
VII. Subestimar, em público, as aptidões e competências de agentes públicos;
VIII. Manifestar publicamente desdém ou desprezo por agente público ou pelo produto de seu trabalho;
IX. Relegar intencionalmente o agente público ao ostracismo;
X. Apresentar, como suas, ideias, propostas, projetos ou quaisquer trabalhos de outro agente público;
XI. Valer-se de cargo ou função comissionada para induzir ou
persuadir agente público a praticar ato ilegal ou deixar de praticar ato
determinado em lei.
XII. Valer-se de cargo ou função comissionada, para tentar
persuadir o agente público a votar ou deixar de votar, ou apoiar ou
deixar de apoiar, determinado candidato a cargo eletivo.
Pelo projeto de lei nº 0218/11-AL, o assédio moral, conforme a gravidade da falta, será punido com:
I. Repreensão;
II. Suspensão;
III. Demissão.
Fonte: jornalagazeta-ap