Por Rodrigo Barchi
É cada vez mais evidente que os únicos beneficiários da transformação da floresta em megahidrelétricas e campos de monoculturas de exportação são umas poucas empresas transnacionais, e também um ou outro latifundiário
Localizado a cerca de 190 quilômetros a nordeste da capital do Amapá, o arquipélago do Bailique é um distrito da cidade de Macapá, e constituído por oito ilhas: Bailique, Brigue, Curuá, Faustino, Franco, Igarapé do Meio, Marinheiro e Parazinho. Por estar localizado na extensa foz do rio Amazonas, é considerado um arquipélago marítimo-fluvial. O acesso ao Bailique só é possível através de pequenos barcos, capazes de suportar até 40 redes de dormir, em uma viagem que pode durar de 14 até 18 horas.
O viajante deve torcer para que o rio esteja muito 
calmo, ou ter um estômago forte, pois o balanço é constante. Mas a 
resistência à viagem é recompensada, pois a exuberância paisagística do 
local é de arrancar o fôlego, como as monumentais florestas de várzea 
intercaladas por igarapés, manguezais e alguns campos limpos e praias 
esparsas. Tudo isso coroado com as constantes e barulhentas revoadas das
 coloridas aves amazônicas, além da magnificiência da exclusividade de 
espécies animais não encontradas em nenhum outro local da própria 
Amazônia.  
 Os moradores do Arquipélago do Bailique moram em 
pequenas comunidades, sendo que a maior tem 150 casas. Os cerca de 10 
mil habitantes da região do Bailique vivem de extrativismo vegetal de 
açaí, cupuaçu, castanha, palmito, andiroba e o pracaxi, usados para a 
produção de azeite; de pequenas agriculturas, como mandioca, feijão, 
hortaliças, entre outros; e da pesca artesanal.  
 Em 1998, o 
Bailique foi palco da construção de um dos mais impressionantes projetos
 de caráter ecológico que se tem notícia, que é a Escola-Bosque do 
Amapá, Módulo Bailique. Localizada na ilha do Brigue, próxima à maior 
comunidade do Bailique, a Escola-Bosque tem um projeto arquitetônico que
 se encaixa perfeitamente à floresta, pois são oito prédios em forma de 
oca indígena, cada um contendo diversas salas de aula e administrativas,
 além do prédio construído anexo à escola com a intenção de ser o hotel 
Hotel Escola-Bosque, todos erguidos utilizando a mão-de-obra e as 
madeiras disponíveis na comunidade. Cada uma das edificações é 
interligada à outra através de passarelas posicionadas a mais de um 
metro do chão, que são sobrepostas devido ao regime de cheia e vazante 
da região.  
 A Escola-Bosque, hoje com mais de mil alunos, foi 
criada com a intenção de manter os moradores do Bailique na região, já 
que, por não haver até então o ensino médio no local, os alunos 
precisavam se deslocar até a cidade de Macapá para poder estudar e, 
consequentemente, trabalhar. O largo abandono da região estava levando a
 comunidade ao colapso e, cada vez maior, à dependência dos orgãos 
estatais para a sobrevivência das pessoas do local.   
 Como 
forma de integrar as atividades econômicas e a preservação da floresta, 
foi implementado o método socioambiental como a perspectiva norteadora 
do projeto político pedagógico da escola do Bailique. Através desse 
método, os alunos e as alunas da Escola-Bosque poderiam aprender que era
 possível, ao mesmo tempo, garantir uma qualidade de vida sem precisar 
destruir a floresta.
 Alguns dos seus principais projetos 
foram a Farmácia da Terra em que os alunos compreendiam que poderiam 
parar de depender de remédios industrializados para cuidar da saúde, a 
gestão e o manejo da agricultura e pecuária local, além da formação de 
gestores em ecoturismo e das pequenas indústrias primárias, fazendo com 
que a comunidade se tornasse mais autônoma no que diz respeito à 
produção de alimentos e ao fornecimento de merenda escolar. Além disso, 
um dos objetivos era justamente a formação de técnicos e especialistas 
do próprio Bailique para tomar conta e ajudar a desenvolver 
não-predatoriamente a região.  
Ao aliar a autonomia dos povos 
amazônicos e a manutenção da floresta em pé, a proposta da Escola-Bosque
 do Bailique se insere em uma perspectiva política e ecológica que busca
 proporcionar às pessoas a garantia de ficar em suas comunidades, tendo 
poder, ferramentas e instrumentos suficientes para resistir ao cada vez 
maior assédio da ideia dos governos e corporações que insistem na 
concepção que só é possível desenvolver aquelas regiões com agronegócio,
 mineração, industrialização e urbanização.  
 È cada vez mais 
evidente que os únicos beneficiários da transformação da floresta em 
megahidrelétricas e campos de monoculturas de exportação são umas poucas
 empresas transnacionais, e também um ou outro latifundiário. Ao 
integrar as perspectivas ecologistas ao etnoconhecimento dos povos da 
floresta, iniciativas como a Escola-Bosque do Bailique mostram que tanto
 a atividade científica quanto a educativa se tornam cada vez mais 
pertinentes e eficientes quanto mais autonomia e liberdade conquistam, e
 dão às sociedades contemporâneas o fôlego e o ânimo necessários para 
continuarem buscando as alternativas ao desenvolvimento capitalista 
predatório vigente.  
 
 
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